26 de novembro de 2025

outra vez, joão felizardo

Nunca compare livros. Isso é preciso advertir, por chiste e cautela. Estou feliz por estar aqui. Com esta nova edição de JOÃO FELIZARDO, O REI DOS NEGÓCIOS, em mãos. As recordações vibram.
Saltitante, angela-lago escreveu: tenho uma notícia fresquinha para você. Estávamos em setembro de 2007. Havia conquistado uma “placa de prata” na BIB, a Bienal de Ilustração de Bratislava, com um livro todo ilustrado digitalmente que as pessoas viam como uma pintura. O livro havia sido lançado em março, pela Cosac Naify. Antes ainda, andávamos noutro mexerico. Publicado originalmente com o título Juan Felizario Contento, o melhor livro mexicano incluído, em 2004, no catálogo White Ravens era, afinal, brasileño!
Engenhosa reinvenção de um conto popular coligido pelos Irmãos Grimm, era para ser apenas uma narrativa pictórica, mas assim não quis o editor Daniel Goldin (Fundo de Cultura Econômica) que fez angela-lago escrever uma lengalenga em portunhol... O livro ganhou, então, as páginas pares onde as frases foram dispostas. Todavia, o narrador-de-fato está nas “ilustrações” desse livro de imagem. Na altura das nuvens, angela-lago empregou uma lente grande angular para capturar um amplo campo de visão, para que todas as histórias coubessem dentro da imagem. Observe a distorção nas bordas de cada quadro, depois observe uma linha invisível que divide a tela na abertura de páginas para o livro idealizado.
Outra vez... observe, estou feliz com este presente que a editora Baião nos dá. O projeto gráfico trouxe molduras coloridas. O livro foi impresso pela gráfica Ipsis em papel Offset 150g, permitindo-nos mergulhar com olho de pássaro em mais detalhes, sem o cansaço ou o brilho que afasta o leitor da leitura. Capa dura e também o miolo respeitando a fibra do papel. Sobrecapa com depoimentos da autora-ilustradora, estudiosos e amigos.

@baiaolivros
#angelalago #umcatalogodegestos
80 anos de nascimento de Angela Lago
45 anos de histórias e livros ilustrados

Cf. quando menos = mais
in Dobras da Leitura O’Blog
7 de julho, 2012


9 de agosto de 2025

ao som dos tambores

As cidades como começaram? Ainda que Platão medisse a extensão de uma comunidade política e social pelo alcance da voz de um orador, talvez o desenho prático da Cidade tenha começado ao som dos tambores agregando os homens (e as mulheres, e as crianças, a terra e o céu). Dentro dessa imagem de cultura, pois, havia música, ritmo, mito, poesia, troca, alimento, nascedouro de códigos compartilhados coletivamente. Dos caminhos seminômades ou das ocas bastante amplas dos povos originários brasileiros, Sérgio Capparelli reuniu e traduziu cantos e poemas que percorrem sonhos e realidades de mapuches; do povo shuar ou jívaro; dos incas e quéchuas; maias, astecas; nativos norte-americanos e canadenses, no livro O MENINO LEVADO AO CÉU PELA ANDORINHA (L&PM, 2013) ilustrado com gravuras de Eduardo Uchôa.

O título vem de um poema dos caxinauás que o mundo que não é tão grande, quando visto a partir “do céu da Terra”. O rio, por exemplo, para o menino em asas de andorinha, é tão somente uma sucuri gigante estendida no meio da relva. Há poesia-embriões e inaugurais, há versos de adivinhar as coisas, há cantos de guerra necessários. Quem é que, como um tigre, cavalga o vento com corpo assombrado? E da tradição rica e arcaica, vozes se erguem e mesclam utopias, como neste outro poema que une palavras do tupi e do caboclo, já em fins do século XIX:
te mandei um passarinho
patuá miri pupé
pintadinho de amarelo
iporanga ne iaué

te mandei um passarinho
numa caixa pequenina
pintadinho de amarelo
bonito que nem você
Este é um livro que tiro da estante, neste 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas.

#dobrasdapoesia
#sergiocapparelli
@eduardouchoaart
@lepmeditores
#povostradicionais
#povosoriginarios

19 de julho de 2025

viva a candura do povo!

Tiro o meu chapéu, vejam só, para a senhora Ruth Rocha, fazendo literatura de cordel no livro BOI, BOIADA, BOIADEIRO (1987). Tiro também o chapéu para o pintor paulista José Antonio da Silva e suas paisagens rurais.

Ela, nele se inspirando, estabelece uma relação palavra e imagem que se chama écfrase e é, ao mesmo tempo, um diálogo com o tempo de frutas e colheita de algodão, festança e desejos de reforma agrária, nascimentos, agradecimento, mortes e derrubada da mata, subtexto da identidade e precariedade do povo brasileiro.
NASCIMENTO DO BEZERRO

Bezerrinho, mal nascido,
Nos braços do seu vaqueiro;
Apenas foste parido
Já tens dono e cativeiro.
És como o pobre, vendido,
Por poder, ou por dinheiro.
Tiro chapéu, pela terceira, para o projeto gráfico (só pode ser Walter Ono, você sabe, você viu, era um dos sócios da Quinteto Editorial), pois o branco é moldura para os quadros, é moldura para a leitura das sextilhas e outras estrofes tangidas por variado número de versos. Tiro, por fim, o chapéu para o texto de Carlos Moraes, na contracapa —

O QUE UM PINTA E O OUTRO BORDA

Essa não. Quem pode com tanta beleza? Ruth Rocha e José Antonio da Silva num livro só. Agora é que a Quinteto se luziu de vez.
A Ruth, cruz credo, bem sabia, é escritora juramentada e da mais alta magicação: escreveu mais de setenta livros para crianças.
Essa Ruth rural, de viola, é que pra mim é novidade.
Mas quê! No fundo, somos todos rurais. No raso, dizem as estatísticas, o Brasil hoje tem mais gente na cidade do que no campo. Corpo de gente. A alma vai mais devagar. Pega a tua alma, irmão urbano, pega a tua alma e sacode na janela num dia de sol — que que cai? Cai pitanga, broinha de milho, música de carreta, sapinho de lagoa, pedra de bodoque, titica de cabrito, jabuticaba.
Cai tudo o que o Silva pinta e a Ruth com versinhos borda.
Esse Silva. Nunca teve escola. Pinta com pura luz de boitatá, força de lobisomem, alegria de saci, tristeza de alma penada, beleza de fada, e todas as magias da terra bruta. E é assim, pingando barro, que chega aos mais importantes museus do mundo.
Este livro. Este livro vale pelo que valemos todos nós: por uma certa candura que sobra. O vivente humano, que faz? Campereia, campereia por este mundo velho, junta aqui, amontoa ali, e o que sobra de precioso, quando sobra, é certa candura de ver o mundo. A doce e suprema inteligência da ingenuidade. Daquela ingenuidade que vai mais longe e fundo do que toda a esperteza deste mundo.
Olha aonde nos levou o Brasil dos espertinhos. A uma dívida que vamos morrer pagando e a um tesouro em dólares, quase do tamanho da dívida, velhacamente enrustidos no Exterior. Mas deixa eles, os espertinhos. Eles estão muito bem retratados na lira caipira de Ruth Rocha. Deixa eles aí, dolarizando a miséria alheia e se safenando todos. Nós temos outros tesouros, outras boiadas.
Nós temos este livro, esta bruxaria de cores, estes versos, esta ingenuidade fecunda.
Viva Ruth Rocha. Viva José Antonio da Silva. Viva a candura do povo!
Carlos Moraes
Em tempo de PL da Devastação,
deixo aqui o texto completo

#dobrasdapoesia #ruthrocha
#joseantoniodasilva #cordel

8 de julho de 2025

verso que estica, verso que encolhe

dobrasdaleitura |
Tradução talvez seja um exercício muito próximo dos esquemas de ‘close reading’, tropeçando em cada palavra, à cata de sons, ritmo ou imagens. Verso que estica, verso que encolhe, desde a língua de partida, às diferentes chegadas...

I –
There was on Old Man with a beard,
who said, “It is just as I feared! –
Two Owls and a Hen,
four Larks and Wren,
Have all built their nests in my beard!

Edward Lear : A book of nonsense (1846)

II –
Havia um velho de longa barba
que se lamentava: “Que coisa bárbara! –
Pardal, andorinha,
coruja, galinha,
Tudo se aninha na minha barba!”

José Paulo Paes : Sem cabeça nem pé,
com ilustrações de Luiz Maia (1991)
III –
Había un hombre de barba espesa
Que dijo: “¡Vaya sorpresa
Una gallina y dos lechuzas
Quatro calladrias e una grulla
Anidaron em médio de mi barba espesa!”
Eduardo Berti (2010)
IV–
Havia um sujeito com barba gigante
Que disse, “Mas é natural que me espante!
Corujas e uma galinha,
Sabiás mais algumas rolinhas,
Em mim construíram um ninho gigante!

Renato Moriconi : 200 limeriques de
Edward Lear para ler e para ver
(2024)
🧡 #quemtemquindimtem
V –
Havia um velho de hirsuta barba,
que alto contava, “Isso aqui me amarga! –
Duas corujas e galinha caipira,
Quatro cotovias, uma corruíra,
Todas assim aninhadas na minha barba!

peter O sagae (2025)

#dobrasdapoesia #edwardlear
#limerique #limerick